Chama o Bial (18/02/2008)

 


Chama o Bial

 

Motorista de táxi diz que falta autoridade para botar ordem na grande casa brasileira

 

 

 

“A pouca vergonha tá geral, é ou não é, doutor? Eu tenho pra mim que falta um militar linha dura desses aí que a gente passa e eles estão ali no posto 6 jogando peteca, esperando só uma oportunidade de botar tenência na coisa. Veja bem, e me desminta se eu estiver errado. Falta autoridade. Punho forte. Alguém de mão firme nessa esculhambação do governo, tô certo ou tô errado? Falta um Bial pra botar ordem na casa. Eu não sou de cantar marra não, doutor, e o senhor que me conhece de outras corridas sabe que sou homem de pegar a minha pista e seguir, pianinho, cantarolando meu pagodinho, no fluxo do trânsito, sem forçar a marcha, sem fungar no cangote querendo abrir passagem por cima de quem vai na frente. Olho pra frente e toco o bonde. Na paz. Olha só o plástico de ‘salve o planeta’ que eu coloquei aí no vidro. No outro dia o passageiro gritou ‘olha lá a mulé sambambaia’, mas eu nem pisquei, tô sempre tão alerta nas artimanhas do trânsito que outro dia não é que uma madame falando no celular me levou o retrovisor?! Tive nem tempo de desviar. Ninguém olha mais pro outro, é tudo umbigo, tudo esse tal de piercing agora que fura a barriga delas. Eu vou devagar e sempre, obedecido às leis dos homens e tudo e mais, mas tem horas, doutor, tem horas que, o senhor vai me permitir o desabafo, tem horas que a gente que não tem sangue de barata, a gente reage, não é não? O descalabro tá demais da conta, me constringe essa desfaçatez toda dos governantes. Todo mundo que entra aqui reclama. Tem noite que eu não consigo nem ver o Jornal Nacional com medo de tá passando mau exemplo pros meus filhos. A gente ali na sala e todo mundo roubando na nossa cara, na hora do jantar, todo mundo se dando bem e o povo na penúria de sempre sem ter o que comer e sem ter a quem reclamar. País tá sem governo, e por favor o senhor aí, que fala com os homens das operações, vai me corrigindo se eu estiver falando besteira. Tá sem leme, tá sem norte. Agora mesmo arrumaram essa pouca vergonha de pegar o nosso dinheiro que é o tal do cartão corporativo, vê se pode! Toda semana é um ladrão novo, um golpe que ninguém tinha aplicado antes. Até quando?! O senhor me acorrige se eu estiver falando demais, mas eu fico aqui dentro pensando e tenho lá minhas filosofias, meus dois dedos de opinião sobre as matérias da atualidade. Falta, sei lá, maneia de dizer, um Obina, um cara que resolva, um Felipão, que bota aquela cara feia no balcão e num instante trazem o teu suco de laranja. Tá rindo, né, mas vai por mim, doutor. A única coisa que deu certo no Brasil é a seleção e o senhor saber por quê? Não sabe?! É o Dunga. Botaram um cara macho, que bate na mesa e todo mundo faz o que ele manda se não a jiripoca pia. A praça ensina muito. Aqui, morrinhou, vazou. É fechada o dia inteiro, ônibus bufando o tempo todo. Aprendi no tranco. Tem hora na vida, eu vi isso outro dia num pára-choque de caminhão, que é pé na embreagem e outra que é fé no acelerador. Pica a mula! Vai rindo, doutor. Eu olho em volta e tô descrente, só bundamole e frutinha. É guardinha levando o da cerveja, é van fazendo o que qué, e nós pulando na buraqueira. Cadê o recapeamento asfáltico? O senhor sabe o Juvenal Antena da novela? Ele leva aquela Portelinha ali, na mão, desconfia de tudo e é tudo com ele. Falta um cara desses no Brasil. Falta voz grossa de comando, alguém com aquilo roxo como tinha o Collor e o Alexandre Frota, aquilo sim, é ou não é? Faz falta, um Getúlio Vargas, um Mariel Mariscott na chefia de polícia, um Flávio Cavalcanti quebrando os discos e botando o dedo na cara da câmera. O país tá sem controle, ladeira do Sacopã abaixo. Quem sou eu pra ensinar padre nosso a vigário e ficar aqui charlando sabedoria diante de uma sumidade como o senhor, que fala ombro a ombro com os homens das intendências. Mas é o que eu penso. Não canto marra, não prepondero, mas também não fico perdendo tempo procurando vaga pra se situar, como essas madames que eu vejo levando uma surra nos estacionamentos da vida. A rua ensina muito, você tem que se decidir num segundo senão babau. É o que eu penso, doutor. Sei que sei muito pouco além desse caminho que faço de vez em quando com o senhor, de pegar no Cosme Velho, descer Laranjeiras, entrar no Santa Bárbara e deixar o senhor na Irineu Marinho. É toda minha artimanha, 30 anos de praça, um homem com um GPS no cérebro, como disse um passageiro outro dia. Num sei de muito mais coisa não, mas tenho lá minhas culturas, ouço o debates populares no rádio e essa marra eu canto. Sei o que falta. Falta assim, a grosso modo, um Joel Santana, que pegou o Flamengo lá na segunda divisão e botou pra cima, na Libertadores. Falta um Tenório Cavalcanti, lembra dele?, que andava com a metralhadora embaixo da capa e resolvia na bala os probrema lá de Caxias. Não faz por bem, faz por mal, é ou não é. Tem que ser assim, doutor. Na dureza, na autoridade constituída. Não é como o Lula, cheio de nhenhenhen, aliviando ministro que come bolo de tapioca com cartão. Onde já se viu? Assim não dá! Falta, sei lá, um Obama, que veio do povão, que tem aquela avó lá na África, e não se deslumbra. É o que eu sinto, doutor, e não foi de ouvir falar não, que eu assino embaixo com a minha caligrafia de autenticidade, tudo idéia minha e de seiva própria. Do meu tirocínio particular. Falta um macho, ta compreendendo?, feito aquele juiz, o Mario Vianna, da Urca, lembra?, que peitava tudo que é jogador encrenqueiro, e gritava ‘vâmu joga o jogo, vâmu joga o jogo, malandragem’, e a bola rolava tranqüila. C´est la vie. Se tiver alguém apitando a coisa anda, é ou não é doutor?”.

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