O Papa Francisco criticou no sábado o “negacionismo suicida” e, hoje ou amanhã, deve apresentar o braço para ser humildemente vacinado. Confesso que fiquei orgulhoso, e tenho um motivo bem particular para isso.
“Era para ser você o Papa Francisco”, me disse meia dúzia de
anos atrás a senhora muito bem vestida, traços de uma beleza sofisticada e
sensual aos 65 anos. Não havia qualquer ar de piada no que ela afirmava. O ambiente
era sério, exigia respeito, e ela estava educadamente tentando juntar as
ciências que conhecia – cursos de física quântica, psicologia, teosofia,
cibernética e matemática – para responder a uma assombração que me persegue desde
a adolescência. Por que tantos me chamam de “Francisco”?
Eu estou cansado de conhecer os limites da minha capacidade
de ser. Sou um joaquim qualquer remando contra a maré, um leonino cuja pequenez
de méritos desabona diariamente o sol que o horóscopo do jornal insiste em
jorrar sobre os nativos do signo. Entre as incapacidades está a lentidão em soar
inteligente diante de situações inesperadas – como a de ser nomeado aquele que
era para ser o Papa. O que fazer? Aceitar o vaticínio e vestir mentalmente a
estola papal seria cinismo. Cair na
gargalhada, deselegante.
A referida senhora abandonara a alta sociedade do Rio, onde
cobrava até mil dólares por consulta do seu método de Reprogramação Genética do
DNA, ou Salto Quântico Genético, e morava na fronteira entre o Rio e Minas
Gerais. Um terremoto estava para acontecer a qualquer momento, me informou, e
aquela cidade, o cruzamento exato do paralelo xis com o meridiano ipsilone, seria
a única preservada em muitos quilômetros. Fiz com a cabeça que sim, compreendia.
Através da regressão a vidas passadas, ela reprogramava
células, doentes em outras encarnações, para uma vida saudável no presente. Na
Idade Média, seria uma bruxa e no lugar do Macintosh moderníssimo, de onde
puxava informações para me explicar a teoria, haveria um caldeirão com asas de
morcego. Foi aí que eu me lembrei de perguntar se, por acaso, não haveria no
passado alguma explicação para a insistência – a secretária dela tinha feito o
mesmo quando eu cheguei – em trocarem meu nome para “Francisco”.
Tempos atrás, diante desse mistério, um parapsicólogo disse
suspeitar de eu ter sido um monge franciscano. A maga quântica, digo, a reprogramadora celular, me garantiu que não era
o caso. Perguntou sobre religiosidade na família e se tinha havido problema no
encaminhamento da fé. Segundo ela, em algum momento da infância o meu caminho
religioso ganhou outra direção, e seria bom investigar isso com os parentes – “porque
era para ser você o Papa Francisco”. Fiquei em silêncio. Espero ter
transportado para o semblante, naquele tempo ainda sem máscara, o meu mais
respeitoso esgar de homem elegantemente crédulo.
De lá para cá, fui chamado outras muitas vezes de
“Francisco” e atendi resignado, humilde, sem contar para eles com que “Francisco”
estavam falando. Passei também a observar com mais atenção as atitudes do Papa
e, como disse no início, fico orgulhoso pela maneira com que ele defende a
liberdade e os bons princípios. Modestamente, considero que o Papa Francisco tem
se saído muito bem no meu papel.
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