O processo da cantada (18 de agosto 2014)

 Afirma o acima assinado, a partir de agora designado pelas letras JFS, que no dia 16 do mês em curso compareceu ao programa “Na moral”, comandado pelo emérito jornalista Pedro Bial, no estúdio J do Projac, sito em Jacarepaguá, e que, na presença e sob o julgamento severo de uma quantidade expressiva de feministas de todo tipo de matiz, viés e sianinha ideológicos, declarou-se inocente da acusação de lançar olhar vil, com opressão de cunho machista, às mulheres na rua.

JFS afirma que, de livre e espontânea vontade, chegou por volta das 12 horas ao estúdio da emissora, convidado pela egrégia produção da mesma, e que dali só se retirou, sempre acompanhado de sua assistente para questões juridicamente existenciais, quando findas as gravações do referido programa, o que ocorreu próximo das 15h, tendo antes cumprimentado, com palavras de emoção sincera, a atriz Fernanda Montenegro.
JFS admitiu, ao ser perguntado pelo apresentador no decurso da gravação, que, de fato e outrossim, perpetrou em tempos idos, sob sua assinatura jornalística, um artigo em que defendia a liberdade de se por os olhos livres sobre os eventos que o Rio de Janeiro oferece aos seus caminhantes. Que nesta sucessão de lindas ocorrências, além do ocaso do sol visto da Pedra do Arpoador e do perfil das montanhas sobre a Floresta da Tijuca, sucede-se a presença de mulheres com idêntico poder de estupefação. JFS, data vênia, pede para que, em sua defesa e progresso de lógica, se anexe aos autos a letra de “Garota de Ipanema”, de Tom e Vinicius, em que os poetas descrevem a passagem de uma dessas moças a caminho do mar, evento do qual resultou uma obra prima do cancioneiro nacional.
JFS afirma ter relatado em artigo de jornal esse maravilhamento contumaz, o espetáculo da mulher que simplesmente passa, e que o fez por ser parte de suas obrigações profissionais, pois ganha a vida descrevendo o que vê de mais interessante pelas calçadas da cidade. Nega, porém, não obstante e peremptoriamente, ter sublinhado seu olhar com ditos do tipo “gostosa” ou “boazuda”. Também não admite, porque discorda e julga humilhante, ter saudado a aproximação de qualquer deusa dessas ruas, digo, qualquer cidadã na contramão de sua calçada, com vulgaridades de fiu-fiu ou expressões de cunho popular como “tu és o remédio que o doutor me receitou” ou ainda “te fazia todinha”.
JFS, posto em confronto com as feministas do programa, afirma que a prática da “cantada” não lhe é artimanha de costume. Que a acusação arrolada no inquérito, apesar de protestada pelas senhoras promotoras do processo como usual nas grandes cidades brasileiras, não procede em seu caso, pois a julga improdutiva ao propósito da conquista e, acima de tudo, ofensiva ao tirocínio intelectual de sua suposta vítima, no caso, a mulher a que se pretende seduzir.
O declarante afirma que a sedução do outro é projeto inerente ao ser humano, mas em sua defesa alude ter aprendido com o ator Zé Trindade que a melhor cantada é a sabedoria de ter um tanto de gentileza e outro tanto de borogodó. Que o compositor Antonio Maria também lhe ensinou a fugir da vulgaridade explícita e optar, por mais cansativo que seja, pelo exercício de conversar, conversar e conversar, o que definitivamente não tipifica, como se quer processar ao réu, um ato de substância criminal.
JFS afirma que, assustado com a veemência das feministas no programa, senhoras que viam no elogio uma forma autoritária de assédio sexual, deixou de registrar o ensinamento da atriz Leila Diniz. Pede, portanto, que agora se registre o mesmo nestes autos, pois considera parte fundamental da sua crença de que a cantada masculina é, em geral, uma perda de tempo e, logo, em assim pensando, ele não pode ser elencado como um divulgador de tal incriminação.
JFS afirma, e pede que assim se anote para finalizar este registro, pois nada mais tem a declarar, que uma noite, num bar de Ipanema, diante do assanhamento do jornalista Tarso de Castro, que lhe alisava os cabelos, a referida Leila Diniz interrompeu aquela forma agressivamente macha de aproximação. Com a autoridade suave de quem realmente manda no jogo, Leila tirou de cima de si as mãos do rapaz, naquele momento inconvenientes. Singelamente afirmativa, disse em seguida ao garanhão antigo: “Fica calmo, Tarso de Castro, porque você já está no meu caderninho”.
  


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