Você é o Neymar, imbecil!

 


Você é o Neymar, idiota. Não dê ouvido às botinadas alheias, não xingue o juiz, e creia. Nada disso vem ao caso. Joga o jogo em que você é mágico raro. Deixa de lado essa mixaria de reclamar que as coisas nunca foram fáceis em sua vida, que o árbitro de vídeo é incompetente. Sem faniquito, sem cartão amarelo. Não se dê ao trabalho de querer mal a esses adversários que entram em campo para puxar camisas. Pobres coitados. Dá uma pedalada e sem lhes cuspir na cara, sem botar a mãe no meio, simplesmente passe de passagem por eles.

Você é o Neynar, estúpido, e é hora de calar a boca dos que, a cada cai-cai, insistem em gritar "piscineiro". Desiste dessa falsa malandragem. Levante-se da prece canastrona no meio de campo e deixe os santos fora dessa. "Blasfêmea", se você permite o nonsense respeitoso, só a Marquezine. Desligue o Insta. Empurre para depois da Copa as jogadas de marketing e faça agora apenas aquelas inerentes ao velho ofício do esporte bretão, esse aplicativo em que você é o mais divertido de todos. Mete uma caneta, uma meia lua e por 90 minutos mantenha esse ego monumental escondido no meião.

Você é o Neymar, cretino. Expulsa o Narciso desse corpo que a ele não pertence e faz o que os outros nem imaginam. Desmoralize os esforçados da Sérvia, ou de onde mais aparecerem adversários, e anime a Copa com o novo drible que você trouxe para o estádio. Depois, na santa paz do vestiário, longe das câmeras, agradeça ao Deus que lhe for de adoração. Faça por merecer a dádiva que tantos perseguem e, por uma dessas conspirações do planeta, caiu-lhe nas chuteiras. Talento é coisa séria.

Não chore, não mergulhe no vácuo do ridículo. Costure as meias. Mira la pelota, mira no drible de letra e na alegria que os meninos do mundo inteiro desfrutam quando você está a fim de jogar. Você é o Neymar, seu tonto. Não perca tempo chamando os caras da Costa Rica de hijo disso, hijo daquilo outro. Eles são funcionários, você é a bailarina. Mostra a dança rara dos deuses do futebol. Esquece o olhar de nojo para com esses mortais patéticos da grama sintética russa. Simplesmente despreze-os com o silêncio superior dos craques. "Tudo passa", está tatuado no pescoço, e o Brasil pede agora para você passar a bola, deixar passar o mimimi. Cresce, garoto mimado. Pare com essa pretensão de querer ser o mais genial jogador antipático do planeta e leia o que está escrito no telão do grande estádio da vida: talento não se joga pela linha de fundo.

O De Bruyne é ok, tem visão de jogo rara. O Cristiano Ronaldo tem a mania irritante de só fazer aquilo, não está nem aí para a farra do futebol. Você é de outra laia. Cresceu vendo milhares de vezes o Pelé dar o drible da vaca no Mazurkievski. Sabe que é preciso fazer bonito. Futebol pode ser uma coisa muito chata e está aí a seleção espanhola. Ela toca a bola de um lado para o outro centenas de vezes, como se a tática utilizada fosse a de hipnotizar o adversário com aquele toque-toque enervante até que o coitado desfalece de enfado e deixa o Diego Costa fazer um gol.

Futebol é diversão, o único espetáculo capaz de apresentar a um velho de 80 anos os mesmos prazeres que sentia aos oito. Não deixe essa brincadeira se tornar coisa séria, livrai-nos do mal e da tentação de ser campeão do mundo novamente com algum Zinho e Mazinho no meio de campo. Você é um vira-lata genuíno, boleiro nascido do cruzamento de Garrincha com Dener, Denilson, Julio Cesar Uri Geller, Mário Sergio, Ronaldinho Gaúcho e todos os maravilhosos presepeiros do futebol brasileiro. É gente que acostumou o mundo com o dom de tornar o jogo um espetáculo jamais sonhado onde de repente o zagueiro se vê diante de um maluco que junta a bola entre as duas pernas e dá um balão que bota o planeta às gargalhadas - como você fez contra a Costa Rica. O sentido daquilo foi nada vezes nada. A bola estava na linha de fundo e por ali ficou. Era apenas para o deleite de quem via e cria na máxima de Ferreira Gullar. Só a arte torna a vida suportável. Sem o espanto provocado pelos grandes artistas, da literatura ou da bola, existir a nada se destinaria. O futebol deixaria de ser uma caixinha de surpresas.

O Kroos não erra passe, o Modric organiza o jogo, mas só você consegue ao mesmo tempo ser tão efetivo e agregar o plus irresistível de, com um drible de calcanhar, ser mais imprevisível. Não perca tempo com o resto, com a mediocridade ululante das câmeras do V.A.R., o carrinho por trás ou o pisão no metatarso machucado. É o que eles podem fazer, coitados. Deixe-os no chão, deixe-os para trás - e siga o grande jogo a que você acostumou a plateia, mas tem ficado esquecido por causa dos nervos tatuados a flor da pele. Não confirme a frase do Millôr Fernandes sobre a capacidade de homens brilhantes fazerem coisas estúpidas com o talento.  Relaxa a marra. Para de costurar para os lados e deixa a depressão para o Messi. Mostra como se faz e, só para chatear, assina com uma cavadinha. Você é o Neymar!

 

 

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